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"De uma cidade não desfrutas as sete ou setenta e sete maravilhas, mas sim a resposta que dá a uma tua pergunta." Italo Calvino, As Cidades Invisíveis
Mosaïc de Miró, Rambla de Sant Josep, Barcelona
Agosto de 2002
A Cláudia, a Esperança, a Nanda, a Paula, o Mateus, o Zé Maria e o Viandante
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Erguer da Bandeira em Iwo Jima
Ontem à noite tivemos a oportunidade de nos juntarmos a um grupo de amigas para assistir a uma sessão de cinema no Braga Parque. Por sugestão do grupo, vimos As Bandeiras dos Nossos Pais, de Clint Eastwood.
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Ao chegar ao átrio das salas de cinema, procurei o painel do filme: uma foto de dois soldados em contraluz, à entrada de um bunker. O título em Inglês chamou-me a atenção de imediato (não o conhecia): Flags Of Our Fathers. Por duas razões em particular: a ausência do artigo definido The, antes do substantivo Flags - de todo plausível; e, mais estranha, a opção pela construção of, em detrimento do genitivo (Our fathers' Flags, que seria mais expectável). Para quem não domine a nomenclatura linguística (o que é que este tipo está para aqui a dizer!) ou tenha conhecimentos mínimos da língua inglesa, não farão muito sentido estas observações. Mas podem crer que a tradução do título em português não faz jus ao original (da obra de James Bradley e Ron Powers, com o mesmo nome, de que foi adaptado o filme). Todavia, devo dizer que me parece ser difícil fazer melhor. É um dos tais casos em que os significados não são reproduzíveis em síntese - daí a singular riqueza das línguas. Em suma: o título original enfatiza o conceito os nossos pais e relativiza o conceito bandeiras - e inclusivé o seu carácter atributivo. O título em português parece reforçar este carácter atributivo (as bandeiras são dos nossos pais) e enfatiza o conceito as bandeiras, sobretudo pelo uso do artigo definido. E o mais importante é que esta diferença é da maior relevância quando visualizamos o filme.
Mas o melhor ainda estava para vir: ao arrepiar caminho para voltar à aldeia, deparei com uma estrada em terra batida (estará hoje asfaltada?), à esquerda, direcção sul. Não me apeteceu subir as ruas íngremes e estreitas de Mazouco, pelo que resolvi tomá-la, sabendo que todos os caminhos levam a algum lado - e por que não a Freixo de Espada à Cinta?
A verdade é que não me lembro de alguma vez ter percorrido um troço de estrada ou caminho em que me tenha sentido tão em comunhão com o mundo. Percorridas poucas centenas de metros, parei. Sentia o meu Micra a mais naquele espaço natural. Desliguei-o e caminhei um pouco a pé. O silêncio era intenso, tirando o restolhar da brisa ligeira nas árvores que cresciam junto ao rio (oliveiras, cerejeiras e choupos, creio). O sol de verão aconchegava a alma. Viam-se alguns barcos ancorados num pequeno braço de rio. Apenas uma casa ou outra, sem ninguém que se visse poder estar a habitá-las. Disse para mim que, se pudesse, construiria ali uma casa pequenina para poder desfrutar do paraíso alguns dias por ano...
Retomei a viagem, lentamente. A estrada afastou-se do rio - e o sentimento de plenitude com ela. Cheguei a Freixo de Espada à Cinta... Realizado.
Notas:
Mapa retirado (e adaptado) de http://www.mapquest.com
O Boletim a que fiz referência é o nº 25, de Junho de 1995
Wells, Somerset, Inglaterra.
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Quando aqui estive, em 1993, um casal que me acompanhava informou-me, com bastante orgulho, que Wells era uma cidade. "Uma cidade?", perguntei algo incrédulo, pois Wells contava então, tal como agora, com cerca de dez mil habitantes, o que para os padrões britânicos equivale a uma nossa aldeia grande. E era pouco mais do que isso que parecia ser. Yes, a city! It has a cathedral! It's the smallest English city!, responderam-me entusiasmados.
Este intróito para abordar a questão que muitas pessoas me colocam - e não apenas os meus alunos - sobre o uso das palavras city e town, ambas traduzíveis em português por "cidade".
Ora, para abreviar a resposta, costuma dizer-se que uma city é maior e mais importante do que uma town. O que está correcto, sobretudo se estamos a falar dos Estados Unidos da América. Contudo, se falamos do Reino Unido, esta explicação pode fazer com que não bata a bota com a perdigota.
No Reino Unido, uma city geralmente tem (tinha, será mais apropriado) uma catedral diocesana. O problema é precisamente o advérbio geralmente. Tal como Wells, cidades pequenas como Ely, Truro e Chichester, todas com menos de 25 mil habitantes, têm catedral e são cities. Têm em comum o facto de serem cidades com origens remotas no tempo. Mas há cidades sem catedral que atingiram uma dimensão e uma importância grandes e são hoje designadas por cities, como Leeds, Sheffield e Cambridge.
Para complicar as contas, há burgos com catedral, como Chelmsford, que não são cities, e há centros de maior dimensão, como Reading e Blackburn, que também não o são. E ainda temos cities que tiveram catedral e já não a têm, como a lindíssima Bath, e que ainda são cities.
É caso para dizer, como um ilustre jornalista já falecido diria com um sorriso nos lábios: "E esta, hem?"
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Nota:
Para uma explicação mais detalhada, por favor consultar a seguinte página da Wikipédia: http://en.wikipedia.org/wiki/City_status_in_the_United_Kingdom