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"De uma cidade não desfrutas as sete ou setenta e sete maravilhas, mas sim a resposta que dá a uma tua pergunta." Italo Calvino, As Cidades Invisíveis

Tirei estas fotografias em Weston-Super-Mare, em Março de 1993. Alguns espíritos trocistas referem-se a esta estância balnear do norte de Somerset por Weston-Super-Mud, tal é a quantidade de lama com que deparamos. Lama esta que, de profunda, já tirou a vida a muitos incautos que tentam chegar à linha de água (muitas vezes a quase dois quilómetros da costa) caminhando; muitos também já ficaram com as suas viaturas destruídas por as conduzirem para além dos limites estabelecidos. Weston-Super-Mare é um centro turístico muito frequentado na época estival, sendo as suas maiores atracções o Pier, as carruagens de burros para transporte de turistas ao longo da costa e, por falta de outras, as suas praias.
Palavra Esparsa
Mosaïc de Miró, Rambla de Sant Josep, Barcelona
Agosto de 2002
A Cláudia, a Esperança, a Nanda, a Paula, o Mateus, o Zé Maria e o Viandante
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Erguer da Bandeira em Iwo Jima
Ontem à noite tivemos a oportunidade de nos juntarmos a um grupo de amigas para assistir a uma sessão de cinema no Braga Parque. Por sugestão do grupo, vimos As Bandeiras dos Nossos Pais, de Clint Eastwood.
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Ao chegar ao átrio das salas de cinema, procurei o painel do filme: uma foto de dois soldados em contraluz, à entrada de um bunker. O título em Inglês chamou-me a atenção de imediato (não o conhecia): Flags Of Our Fathers. Por duas razões em particular: a ausência do artigo definido The, antes do substantivo Flags - de todo plausível; e, mais estranha, a opção pela construção of, em detrimento do genitivo (Our fathers' Flags, que seria mais expectável). Para quem não domine a nomenclatura linguística (o que é que este tipo está para aqui a dizer!) ou tenha conhecimentos mínimos da língua inglesa, não farão muito sentido estas observações. Mas podem crer que a tradução do título em português não faz jus ao original (da obra de James Bradley e Ron Powers, com o mesmo nome, de que foi adaptado o filme). Todavia, devo dizer que me parece ser difícil fazer melhor. É um dos tais casos em que os significados não são reproduzíveis em síntese - daí a singular riqueza das línguas. Em suma: o título original enfatiza o conceito os nossos pais e relativiza o conceito bandeiras - e inclusivé o seu carácter atributivo. O título em português parece reforçar este carácter atributivo (as bandeiras são dos nossos pais) e enfatiza o conceito as bandeiras, sobretudo pelo uso do artigo definido. E o mais importante é que esta diferença é da maior relevância quando visualizamos o filme.
O renomado professor da Universidade de Harvard, Robert Coles, num livro publicado em 2004 (Bruce Springsteen's America, Random House), coloca o cantor de New Jersey no panteão dos artistas americanos, comparando-o a Walt Whitman e William Carlos Williams, e designando-os como "poetas do homem americano comum".


Mas o melhor ainda estava para vir: ao arrepiar caminho para voltar à aldeia, deparei com uma estrada em terra batida (estará hoje asfaltada?), à esquerda, direcção sul. Não me apeteceu subir as ruas íngremes e estreitas de Mazouco, pelo que resolvi tomá-la, sabendo que todos os caminhos levam a algum lado - e por que não a Freixo de Espada à Cinta?
A verdade é que não me lembro de alguma vez ter percorrido um troço de estrada ou caminho em que me tenha sentido tão em comunhão com o mundo. Percorridas poucas centenas de metros, parei. Sentia o meu Micra a mais naquele espaço natural. Desliguei-o e caminhei um pouco a pé. O silêncio era intenso, tirando o restolhar da brisa ligeira nas árvores que cresciam junto ao rio (oliveiras, cerejeiras e choupos, creio). O sol de verão aconchegava a alma. Viam-se alguns barcos ancorados num pequeno braço de rio. Apenas uma casa ou outra, sem ninguém que se visse poder estar a habitá-las. Disse para mim que, se pudesse, construiria ali uma casa pequenina para poder desfrutar do paraíso alguns dias por ano...
Retomei a viagem, lentamente. A estrada afastou-se do rio - e o sentimento de plenitude com ela. Cheguei a Freixo de Espada à Cinta... Realizado.
Notas:
Mapa retirado (e adaptado) de http://www.mapquest.com
O Boletim a que fiz referência é o nº 25, de Junho de 1995

Wells, Somerset, Inglaterra.
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Quando aqui estive, em 1993, um casal que me acompanhava informou-me, com bastante orgulho, que Wells era uma cidade. "Uma cidade?", perguntei algo incrédulo, pois Wells contava então, tal como agora, com cerca de dez mil habitantes, o que para os padrões britânicos equivale a uma nossa aldeia grande. E era pouco mais do que isso que parecia ser. Yes, a city! It has a cathedral! It's the smallest English city!, responderam-me entusiasmados.
Este intróito para abordar a questão que muitas pessoas me colocam - e não apenas os meus alunos - sobre o uso das palavras city e town, ambas traduzíveis em português por "cidade".
Ora, para abreviar a resposta, costuma dizer-se que uma city é maior e mais importante do que uma town. O que está correcto, sobretudo se estamos a falar dos Estados Unidos da América. Contudo, se falamos do Reino Unido, esta explicação pode fazer com que não bata a bota com a perdigota.
No Reino Unido, uma city geralmente tem (tinha, será mais apropriado) uma catedral diocesana. O problema é precisamente o advérbio geralmente. Tal como Wells, cidades pequenas como Ely, Truro e Chichester, todas com menos de 25 mil habitantes, têm catedral e são cities. Têm em comum o facto de serem cidades com origens remotas no tempo. Mas há cidades sem catedral que atingiram uma dimensão e uma importância grandes e são hoje designadas por cities, como Leeds, Sheffield e Cambridge.
Para complicar as contas, há burgos com catedral, como Chelmsford, que não são cities, e há centros de maior dimensão, como Reading e Blackburn, que também não o são. E ainda temos cities que tiveram catedral e já não a têm, como a lindíssima Bath, e que ainda são cities.
É caso para dizer, como um ilustre jornalista já falecido diria com um sorriso nos lábios: "E esta, hem?"
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Nota:
Para uma explicação mais detalhada, por favor consultar a seguinte página da Wikipédia: http://en.wikipedia.org/wiki/City_status_in_the_United_Kingdom