quarta-feira, 20 de junho de 2007

De Tyndrum a Oban, Escócia

Andarilho
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Olhar para um mapa da Escócia é um exercício ilusório. Noventa e cinco por cento das localidades assinaladas em qualquer mapa de dimensão razoável não são mais do que pequenas aldeias, muitas vezes de uma só rua. Para quem viaja de forma independente e conta com os ovos no dito da galinha, arrisca-se a ter que lidar com o imprevisto.
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Viajo com quatro amigas, de mochila às costas; sem nada marcado, com excepção das duas primeiras noites num Bed & Breakfast de Edimburgo. Daqui para a frente contamos connosco e a ajuda incansável dos funcionários dos postos de turismo. Partiramos com um esboço de trajecto e um orçamento suficiente para uma dezena de dias frugais.
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Ao terceiro dia, partimos de Edimburgo em direcção a Dalmally, uma localidade discreta entre Glasgow e Oban (uma das cidades de acesso às Highlands): alojamento marcado no dia anterior, prevendo o tempo necessário para visitar Glasgow e de acordo com os horários dos autocarros e comboios. Visitada Glasgow, partimos em direcção a Dalmally: de autocarro até Tyndrum e de comboio daqui ao local de repouso. O trajecto até Tyndrum percorre uma paisagem lindíssima, dominada pelo Loch Lomond (primeira foto), o maior lago escocês. A aldeia de Tyndrum (segunda foto) surpreende-nos. Quatro da tarde. É aqui que devemos apanhar o comboio? Onde está a estação? Ao fundo do vale? Mas hoje já não passa mais nenhum comboio? Como não passa? Mas temos alojamento marcado em Dalmally - e temos que chegar até às cinco, caso contrário a reserva fica anulada! Também não há autocarros?!
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A simpática senhora que recebe esta catadupa de perguntas esboça um sorriso compreensivo. Sugere-nos que telefonemos para o host da Craig Villa, a Guest House onde estava previsto pernoitarmos - e que o podíamos fazer do pequeno posto de informações de Tyndrum, ao fundo da rua. Não temos escolha. Aqui, informam-nos que a única alternativa é procurar o Mr Cunningham, um senhor que presta serviços de transporte escolar. A sua casa fica na outra ponta da rua, de onde tínhamos acabado de vir. As mochilas já pesam, depois de um dia de andanças. Batemos à porta; atende-nos a esposa. O Sr. Cunningham não está; e não costuma fazer transporte de pessoas nesta altura do ano... Insisti, explicando detalhadamente a nossa desventura, ao que a senhora prestou-se a telefonar ao marido. Enquanto esperamos, rimo-nos da situação e antecipamos a noite dormida num qualquer coberto de Tyndrum. Boas notícias: o senhor Cunningham estará ali em meia hora. Regresso ao posto de informações para telefonar finalmente para a Guest House, avisando do nosso atraso.
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O senhor Adam Cunningham tem uma pronúncia incompreensível, rasgada, carcomida: "itch tun y fro?", foi uma das questões que teve de repetir uma mão cheia de vezes, antes que compreendêssemos que nos perguntava de que cidade éramos!!! Sento-me ao lado dele e tenho as despesas da conversa: obrigações de cavalheiro e curiosidade de viandante. O senhor Cunningham é de uma simpatia rude, de homem das montanhas. Tivemos muita sorte, pois calhou estar por perto. Só costuma transportar as crianças de Tyndrum e arredores para a escola, especialmente nos meses de inverno, em que as estradas são muito difíceis e não há serviços de autocarro nos percursos secundários. Mas também tivemos azar, pois visitávamos a Escócia "no verão mais molhado dos últimos cem anos", disse-nos, supostamente veiculando uma qualquer notícia ouvida num noticiário local. Não se calou um minuto durante os cerca de 15 quilómetros do trajecto, falando-nos da história local e aconselhando-nos a visitar alguns monumentos nas cercanias (entre outros que já se esconderam nos meandros da memória, o Kilchurn Castle, perto de Dalmally).
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A despesa deste serviço de transporte personalizado ultrapassou em muito pouco o que pagaríamos pelos cinco bilhetes de comboio, pelo que convenci as minhas amigas a "contratá-lo" para a viagem do dia seguinte até Oban, ao que o senhor Cunninham acedeu amigavelmente. E assim, após uma noite bem dormida na enormíssima Dalmally (terceira foto), prestámo-nos a mais uma lição de história e simpatia até Oban (quarta e última fotos; nesta, a carrinha do Mr Adam Cunningham sob a persistente chuva escocesa).
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sábado, 9 de junho de 2007

Santuário de Delfos, Grécia

Andarilho
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Segundo os gregos antigos, Zeus, deus supremo do Olimpo, desejando encontrar o centro da terra, largou duas águias das extremidades do mundo; as duas aves sagradas encontraram-se em Delfos, determinando assim o "umbigo" da terra. O mito também nos conta que o deus Apolo (tal como narrado por Homero) terá fundado o seu primeiro templo em Delfos, após aniquilar o famoso dragão (serpente feminina, segundo alguns) Python, guardião do oráculo de Gaia, a mãe dos deuses e primeira adivinhadora do oráculo de Delfos. Assim, o mito, pela mão do homem crédulo, fez-se realidade neste santuário.
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Não obstante a envolvência turística e comercial a que o sítio arqueológico está sujeito, será improvável que qualquer viandante que aqui chegue não consiga apreender uma dimensão do sublime: seja no âmbito do sagrado, da imponência da natureza, da beleza da criação humana... Situado na encosta do Monte Parnasso (2457 m) e debruçado sobre o majestoso vale do rio Pleistos, a poucos quilómetros do Golfo de Corinto, o santuário de Delfos encerra o que muitos designarão como um "espírito de lugar". Foi isso que senti quando aqui estive em 2002: realizado, parte integrante da paisagem e da história que me rodeava.
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A paisagem que nos circunda é tipicamente mediterrânica: árida, pontilhada por oliveiras, azinheiras e ciprestes, sob um calor sufocante. A altitude e a brisa (amiúde transformada em sopros de vento fortes, talvez a recordar-nos que estamos em território alheio) atenuam um pouco os efeitos do sol abrasador. Por isso, no verão, a visita ao santuário deve ser feita de manhã cedo e, eventualmente, terminar no museu, quando o calor começar a apertar. O museu de Delfos acolhe um espólio de frisos, estátuas e objectos decorativos fantástico, muitos deles oferendas de reis e do povo comum ao oráculo de Apolo (nas fotografias, em cima: a Esfinge dos Naxians, de 550 a.C.; e dois kouroi, Kleobis e Biton, do escultor argivo Polymedes, de 590 a.C.)
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A visita ao santuário faz-se por um trilho íngreme, denominado Caminho Sagrado, que nos conduz ao Templo de Apolo, o deus solar. Ao longo deste caminho, em ambos os lados, erguiam-se dezenas de estátuas e vários edifícos em estilo iónico e dórico, dos quais podemos ainda observar vários vestígios. A subida árdua é compensada com a chegada ao que resta do Templo de Apolo (em baixo), elemento central de todo o santuário e onde se encerrava o oráculo.
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A figura central do oráculo era a pitonisa, uma mulher de mais de 50 anos que, virgem ou não, deveria ser casta e abandonar a família após a assunção deste papel supremo. A leitura do voo das aves, das entranhas de animais, dos sonhos e das chamas nas piras sacrificiais eram alguns dos métodos divinatórios dos gregos antigos, mas a pitonisa, segundo os estudiosos, sentada no trono de Apolo Phoibos, enunciava os seus oráculos atingindo uma espécie de transe e articulando uma série de gritos aparentemente sem sentido, que eram interpretados pelos Prophetai (sacerdotes dos deuses Apolo e Dioniso) e comunicados ao peregrino (apenas os homens podiam colocar questões à pitonisa).
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É em tudo isto que pensamos perante as ruinas do templo e o enquadramento natural grandioso, talvez algo tontos com a incidência directa e forte do sol, talvez de Apolo - e que nos recorda o ritual de sacrifício que precedia a prática da adivinhação: uma cabra era trazida ao oráculo e borrifada com água fria; se tremesse da cabeça aos pés, o deus Apolo consentia que a pitonisa se sentasse no seu trono e praticasse os rituais divinatórios. E a cabra seria sacrificada...
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Com um arrepio na espinha, prosseguimos em direcção ao teatro do século IV a.C., palco dos concursos literários dos Jogos Píticos, um festival religioso em honra do deus Apolo. Mais acima, já com a roupa colada ao corpo, chegamos ao estádio - o mais bem preservado em toda a Grécia -, onde decorriam as provas atléticas do festival.
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Chegar aqui sob este calor intenso é já uma prova para muitos. Para mim é sobretudo um acto de comunhão: resta-me entrar em transe, libertar a cabra sacrificial e regressar ao passado para ouvir os aplausos aos vencedores.
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sábado, 2 de junho de 2007

Solar do Bacalhau, Valença

Aqui Bem Se Come
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Encontram o restaurante Solar do Bacalhau dentro das monumentais muralhas de Valença, com acesso por duas das ruas que conduzem à Pousada São Teotónio.
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As instalações são modernas e amplas, com bastante luminosidade. O atendimento é muito bem educado e eficiente. Os empregados de mesa trajam as cores predominates no estabelecimento, patentes no cartão de apresentação.
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Cheguei pela uma da tarde. Acedi ao piso superior, apenas com uma das mesas ocupadas. Entretanto, com o aproximar da hora de almoço espanhola, a sala foi-se aconchegando de calor humano. Inevitavelmente, vinham todos pelo bacalao português, que, suspeito, ocupa o primeiro lugar nas prioridades dos nossos vizinhos galegos - e espanhóis em geral - quando se deslocam a Portugal. E fazem muito bem.

Os 19 euros do bacalhau assado na brasa (não serviam meia dose, o que é uma lacuna) afastaram-me para os filetes de bacalhau com arroz de feijão, a uns mais simpáticos doze euros. O que se revelou uma excelente segunda escolha: 4 filetes generosos que satisfariam duas pessoas e um arrozinho de feijão delicioso, soltinho como manda a lei, e que despachei todinho, todinho; os filetes desfaziam-se na boca, como se esperava.

Antes do prato principal, provou-se uma chamuça de carne de aves (assim parecia) e sabores orientais (talvez um pouco de caril e açafrão), que abriu bem o vinho branco da casa: O Regedor, engarrafado por Manuel de Oliveira, V. N. Famalicão. Uma pinga levezinha e de sabor frutado q.b., como pede o excelentíssimo fiel amigo. A broa de excelente qualidade também não ficou abandonada, como se calcula.

Rematou-se tudo com um Bicafé razoável e dezoito euros e sessenta cêntimos, que se justificaram.

À mesa: O Viandante

Serviço: bom
Ambiente e decoração: muito bom
Higiene: muito bom
Preço: razoável
Avaliação geral:
8/10
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