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sábado, 9 de junho de 2007

Santuário de Delfos, Grécia

Andarilho
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Segundo os gregos antigos, Zeus, deus supremo do Olimpo, desejando encontrar o centro da terra, largou duas águias das extremidades do mundo; as duas aves sagradas encontraram-se em Delfos, determinando assim o "umbigo" da terra. O mito também nos conta que o deus Apolo (tal como narrado por Homero) terá fundado o seu primeiro templo em Delfos, após aniquilar o famoso dragão (serpente feminina, segundo alguns) Python, guardião do oráculo de Gaia, a mãe dos deuses e primeira adivinhadora do oráculo de Delfos. Assim, o mito, pela mão do homem crédulo, fez-se realidade neste santuário.
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Não obstante a envolvência turística e comercial a que o sítio arqueológico está sujeito, será improvável que qualquer viandante que aqui chegue não consiga apreender uma dimensão do sublime: seja no âmbito do sagrado, da imponência da natureza, da beleza da criação humana... Situado na encosta do Monte Parnasso (2457 m) e debruçado sobre o majestoso vale do rio Pleistos, a poucos quilómetros do Golfo de Corinto, o santuário de Delfos encerra o que muitos designarão como um "espírito de lugar". Foi isso que senti quando aqui estive em 2002: realizado, parte integrante da paisagem e da história que me rodeava.
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A paisagem que nos circunda é tipicamente mediterrânica: árida, pontilhada por oliveiras, azinheiras e ciprestes, sob um calor sufocante. A altitude e a brisa (amiúde transformada em sopros de vento fortes, talvez a recordar-nos que estamos em território alheio) atenuam um pouco os efeitos do sol abrasador. Por isso, no verão, a visita ao santuário deve ser feita de manhã cedo e, eventualmente, terminar no museu, quando o calor começar a apertar. O museu de Delfos acolhe um espólio de frisos, estátuas e objectos decorativos fantástico, muitos deles oferendas de reis e do povo comum ao oráculo de Apolo (nas fotografias, em cima: a Esfinge dos Naxians, de 550 a.C.; e dois kouroi, Kleobis e Biton, do escultor argivo Polymedes, de 590 a.C.)
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A visita ao santuário faz-se por um trilho íngreme, denominado Caminho Sagrado, que nos conduz ao Templo de Apolo, o deus solar. Ao longo deste caminho, em ambos os lados, erguiam-se dezenas de estátuas e vários edifícos em estilo iónico e dórico, dos quais podemos ainda observar vários vestígios. A subida árdua é compensada com a chegada ao que resta do Templo de Apolo (em baixo), elemento central de todo o santuário e onde se encerrava o oráculo.
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A figura central do oráculo era a pitonisa, uma mulher de mais de 50 anos que, virgem ou não, deveria ser casta e abandonar a família após a assunção deste papel supremo. A leitura do voo das aves, das entranhas de animais, dos sonhos e das chamas nas piras sacrificiais eram alguns dos métodos divinatórios dos gregos antigos, mas a pitonisa, segundo os estudiosos, sentada no trono de Apolo Phoibos, enunciava os seus oráculos atingindo uma espécie de transe e articulando uma série de gritos aparentemente sem sentido, que eram interpretados pelos Prophetai (sacerdotes dos deuses Apolo e Dioniso) e comunicados ao peregrino (apenas os homens podiam colocar questões à pitonisa).
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É em tudo isto que pensamos perante as ruinas do templo e o enquadramento natural grandioso, talvez algo tontos com a incidência directa e forte do sol, talvez de Apolo - e que nos recorda o ritual de sacrifício que precedia a prática da adivinhação: uma cabra era trazida ao oráculo e borrifada com água fria; se tremesse da cabeça aos pés, o deus Apolo consentia que a pitonisa se sentasse no seu trono e praticasse os rituais divinatórios. E a cabra seria sacrificada...
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Com um arrepio na espinha, prosseguimos em direcção ao teatro do século IV a.C., palco dos concursos literários dos Jogos Píticos, um festival religioso em honra do deus Apolo. Mais acima, já com a roupa colada ao corpo, chegamos ao estádio - o mais bem preservado em toda a Grécia -, onde decorriam as provas atléticas do festival.
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Chegar aqui sob este calor intenso é já uma prova para muitos. Para mim é sobretudo um acto de comunhão: resta-me entrar em transe, libertar a cabra sacrificial e regressar ao passado para ouvir os aplausos aos vencedores.
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