quarta-feira, 27 de dezembro de 2006

Bank Holiday em Waterford, Irlanda (I)

Andarilho


Viajar na Irlanda é uma experiência maravilhosa. Não é a beleza paisagística do país que nos comove, nem o seu património arquitectónico. A Irlanda toca-nos na alma através das suas gentes, de uma afabilidade pouco comum. Partilham com os portugueses uma curiosidade congénita pelo outro, o forasteiro. Creio ser isso que nos leva a querer conquistar o outro, a curiosidade por conhecê-lo.
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Mas o que me tocou fundo em Waterford, cidade estuarina do sudeste da República da Irlanda, foi a atmosfera festiva que encontrámos. Viajava com três amigos, de mochila às costas, sem nada marcado. De algum modo, por isso, não esperávamos que a cidade nos recebesse de forma tão imprevisível. Pois quando se viaja assim, contamos com a previsibilidade das instituições, dos horários, dos espaços cartografados.
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O autocarro deixou-nos na marginal do rio Suir. Caminhámos em direcção ao centro da cidade, à procura do posto de turismo - a primeira coisa que fazíamos sempre, para tratar da marcação do alojamento. O Turismo Irlandês, assim como o Britânico, têm um genial sistema de marcação de alojamentos chamado BABA (Book a Bed Ahead): em qualquer posto de turismo podemos pedir para que nos marquem alojamento (de qualquer tipo) em qualquer local do país, para o próprio dia - serviço pelo qual nos cobram uma ninharia. Informaram-nos que em Waterford estava tudo esgotado, porque era Summer Bank Holiday (o equivalente a uma nossa "ponte"). Tivemos que marcar o Bed & Breakfast para Tipperary, a 80 kms de distância. Confirmámos os horários dos autocarros e concluímos que podíamos almoçar em Waterford, com calma. Voltámos à rua e ao virar uma esquina, numa via lateral, deparámos com isto:



Uma brass band a tocar para ninguém! Tinham acabado de descarregar os instrumentos de uma carrinha vinda do norte de Inglaterra. Alguns deles ainda estavam a vestir-se lá dentro. Ficámos ali, únicos espectadores, maravilhados com a qualidade da música que tocavam - temas das grandes bandas americanas. Era um grupo muito heterogéneo, com pessoas de várias idades e notóriamente de várias origens sociais. Não sei quanto tempo ali ficámos. Creio que continuámos a calcurrear as ruas da cidade apenas depois de terem feito um intervalo e quando já tinham outros espectadores.

Ao chegarmos às ruas centrais, deparámo-nos com outro grupo - este ainda a posicionar-se da melhor forma, dispondo os instrumentos e tomando cada um dos músicos a posição adequada. Um dos elementos marcava uma elipse no chão com um pedaço de giz. Em poucos minutos, os transeuntes encheram o espaço livre para além da elipse e a música começou a jorrar dos instrumentos:


Os temas foram tocados com tal perfeição e vivacidade que as lágrimas vieram-me aos olhos. E a comoção não me tocou apenas a mim. Foi um daqueles momentos das nossas vidas em que somos surpreendidos pelo belo: aqui não apenas o belo estético, mas também o belo que apreendemos da harmonia das pessoas em festa, em êxtase.

Soubemos pouco depois, ao almoço, após uma conversa memorável que tive com uma senhora de idade agradabilíssima (conversa essa que ficará para outro relato), que se tratava de um concurso anual de brass bands, que tinha lugar na Summer Bank Holiday, e a que acorriam bandas de vários pontos das Ilhas Britânicas.

A imprevisibilidade também pode ser bela...

Dedico este post ao meu bom amigo Zé António, com quem partilhei esta fantástica viagem, que hoje faz anos. Cheers!, Zé. Have a good flight!

"Aeroporto" Druid Circle, Kenmare, Irlanda

1 comentário:

Anónimo disse...

Obrigado Rui , por nesta data me recordares aquela memorável viagem, foram dias de loucura que passei em excelente companhia.São momentos que me ficaram para o resto da vida. A foto é um pouco do que foram os nossos voos pelas terras da Irlanda.

Obrigado