domingo, 15 de julho de 2007

Tremoço na Praia

Viandantes Por Cá
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Praia de Esposende, ontem, pelo fim da tarde. Depois de meia hora estendido na areia para não dizerem que não lhes fazia companhia, deixei mãe e esposa no torrador para abancar no meu local preferido à beira-mar: uma esplanada. Por companhia, um pires de tremoços e o fino da praxe. Como me tinha esquecido do jornal, ocupei o tempo valioso a afinar o olhar, que o verão passa rápido.
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À minha frente senta-se um casal belga ou holandês, de quarenta e muitos, com o seu casal de filhos belíssimos, ambos a devorar um gelado de leite. Pedem beer, servida célere na forma de dois finos que bradavam frescura. Instantes depois, à passagem do empregado de mesa, o marido, com um gesto decidido, pede that, apontando para o meu pires de tremoços. Chega ainda mais rápido que a cerveja, qual moçoilo ávido na alçada de loiras em biquini. O marido aborda o pires hesitante (afinal, o gesto decidido visava disfarçar a sua ignorância). Pega num tremoço e analisa-o com curiosidade, sob o olhar expectante da família; trinca-lhe o bico, rói timidamente a casca em redor da semente amarela... Finalmente, mete o tremoço todo à boca e mastiga-o; mas sem deixar transparecer qualquer juízo sobre o mesmo, pelo que o filho se atira ao dito, imitando a abordagem do pai; a seguir a mãe e a filha. Das suas caras não era possível discernir qualquer significado. Entretanto, o meu pires já se esvaziara: estavam frescos, mas algo amargos. Alguns minutos depois, quando estava distraído com os bronzeados ambulantes, o filho do casal vira-se para trás e estende-me o pires de tremoços, ao mesmo tempo que o pai diz:
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- We don' like it.
- It takes some time to get used to the taste, respondo-lhe.
- Yeah, just like olives. I like olives. Diz.
- Yes, that's true: olives are great!
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Recuso os tremoços simpaticamente, com um gesto de quem está cheio. O empregado torna a passar e o senhor pede um café. Servem-lhe um café curto, Buondi. Despeja um pouco de açúcar com um cuidado extremo, talvez habituado aos cubinhos. Mexe o café desajeitadamente, com a cara por cima da chávena, observando o girar do líquido com toda a atenção. Prova o café... Após um instante longo (é verdade: para quem observa, os instantes podem ser muito, muito demorados), consigo distinguir um ligeiríssimo franzir do sobrolho, inquestionavelmente aprovador. Pousa a chávena e com a colherinha dá a provar o líquido saboroso ao filho; e outra à filha. Que bom, parecem dizer.
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Uma bela tarde de praia.

4 comentários:

SILÊNCIO CULPADO disse...

É bom viver momentos como este quando nos recusamos ficar fechados em nós próprios remoendo a frustração de uma vida rotineira e demasiado formatada.
Parabéns pelo blogue.

MANHENTE disse...

Obrigado pelo seu comentário e pela visita, que espero repita.

Cumprimentos,
Rui

Anónimo disse...

Viva, li esta entrada do seu Blog com um sorriso saudosista. Sou madeirense, estou habituado a estrangeiros na cidade do Funchal. Reconheço neste seu dia de Sol uma cópia de um dia típico madeirense recheado de turistas, e que saudades me trouxe! Por outro lado você tem muito jeito para a escrita, de tal forma que cada frase trazia uma surpresa; então em poucas palavras vi passar um filme - não se admire que eu lhe deseje boa sorte para o seu futuro livro! (hehehe já reparou que estou a empurrá-lo para algo que poderá ser para si, à partida, impensável mas com um grande potencial!) Obrigado, um abraço de Aveiro.

MANHENTE disse...

Olá, amigo madeirense em Aveiro!

Muito obrigado pelas suas palavras. Há textos que nos escorrem dos dedos de forma tão elegante que nem nós o sabemos explicar - talvez fosse das loiraças :-)

Há outros que nem tanto...

Mas o ter gostado do "filme" já faz por merecer tê-lo escrito.

Obrigado pela visita.

Tudo de bom.