sábado, 27 de agosto de 2011

Périplo 2011, Eslovénia - Dia 5: os gatos sabem-no

.
Começámos o dia um pouco mais tarde do que o habitual, bem dispostos, pois o tempo fantástico do dia anterior prometia continuar. A primeira tarefa do dia consistiu em... mudar a água ao bacalhau. Não, não se trata de uma variante do "mudar a água às azeitonas", mas sim do seu significado literal e tão tradicional na cozinha portuguesa: desde Le Mas d'Azil que trazemos uma fantástica posta de bacalhau, do graúdo, em demolha, dentro de um tupperware que colocamos na arca, pois é em água fresquinha que ele fica bem. Logo à noite virá com todos à nossa mesa. Ei-la, na primeira demolha, ainda tímida e, por efeito óptico, mais pequena do que realmente era e se tornou:
. 
.
O programa do dia consistia de um pequeno percurso, menos citadino, mais em contacto com a natureza, culminado, ao fim da tarde, com um mergulho refrescante na piscina do parque. Dirigimo-nos para as Gorges du Loup, a noroeste de Vence, mas andamos apenas meia-dúzia de quilómetros, pois somos atraídos, como para um precipício, pela vila de Tourrettes-sur-Loup:
.
.
Que diferença para com Saint-Paul! Da mesma dimensão, com características semelhantes, mas muito mais "terrena": os locais a jogarem boules, em espaços delimitados para o efeito, entre duas fileiras de árvores; dois carteiros a distribuirem cartas, com familiaridade; os gatos na rua, toda deles, notoriamente bem amados (em muitas portas e janelas vimos recipientes para a comida e para a água); algum comércio destinado ao turismo, mas menos posh. Um mimo! Este sim, já poderia ser o nosso mundo.
.
 .
 .
Não incomodem, p.f.!
.
.
.
 .
.
Continuámos o passeio em direcção às Gorges du Loup, que não nos surpreendem. Visitámos umas quedas de água anunciadas à beira da estrada, com entrada cobrada a 1 euro; devíamos ter desconfiado: um casal francês olhava em volta, procurando-as, e para nós, que olhávamos em volta, procurando-as, e como o fio de água a descer quase em degraus por entre as rochas não convenceu, largaram um insuspeito Vive la France! Pouco depois fizemos um desvio em direcção a Gourdon, que havíamos avistado, lá em cima, isolada de tudo. Que descoberta! Que vistas sobre o Vallée du Loup, dos seus 760 metros de altitude (não parece muito, mas o Mediterrâneo está apenas a 10 quilómetros de distância em linha recta)!
.
.
.
.
.
Gourdon é considerada uma das Plus Beaux Villages de France e é necessário estar lá para perceber por quê: tem o tamanho de uma aldeia pequena, debruçada sobre um vale vasto e rodeada por ciprestes, figueiras e carvalhos; não fosse o turismo e seria o local perfeito para quem quisesse isolar-se do mundo estando, ao mesmo tempo, perto de tudo. Regressámos à estrada, mas apenas por um quilómetro, pois já tínhamos escolhido o lugar para almoçarmos ao passarmos por aqui uma hora e meia antes: uma espécie de parque de lazer pouco equipado (com menos gente, por isso) e com vistas soberbas sobre o vale:
.
.
O melão que me vêem a cortar na foto veio de Portugal; escolhi-o com carinho para que estivesse no ponto passada uma semana: que maravilha, meus amigos! E que bem soube aquele Nescafé preparado de manhã e ainda quentinho, naquele espaço tão tranquilo e paradisíaco! Foi um dos momentos mais agradáveis da viagem até ao momento; procuraríamos repeti-lo.
.
De volta à estrada, encetámos o regresso ao parque, via Vence, que tínhamos deixado para o fim dos nossos dias na Provença. No trajecto, passámos por Coursegoules e pelo árido Col de Vence, que contrastava, por isso, com todo o percurso realizado pelas Gorges du Loup.
.
.
Em Vence comprovámos o estatuto dos gatos na Provença, e nos Alpes-Maritimes em particular. Creio que alguns, até, de tão gordos, devem ser pagos a ração para preguiçarem por entre os souvenirs, que assim nos parecerão mais giros e menos caros. A cidade velha visita-se rapidamente e assemelha-se ao que já tínhamos visto em Saint-Paul, mas menos elitista. Notámos o mesmo cuidado com as janelas e varandas floridas, as portadas de cores diferentes de casa para casa, de andar para andar, tudo contribuindo para uma sensação de bem-estar e de savoir vivre. Visitámos a catedral, onde vimos um mosaico lindíssimo de Marc Chagall, junto à pia baptismal. Numa ruela próxima, fomos atraídos por uma peixaria e pelos vários petiscos expostos: "E se levássemos um pouco daquele polvo, para acompanhar o bacalhau?" Parecia estar temperado apenas com azeite e ervas da Provença; perguntei se tinha vinagre, de que não gosto, mas a simpatia do senhor ou o meu domíno fantástico do francês não foram suficientes para extrair uma conclusão. Daí que arriscássemos a provar cento e poucos gramas daquela especialidade por 5 euros e 52 cêntimos!
.
 .
 .
.
.
Chegámos a tempo do tão ansiado mergulho na piscina. A água não é propriamente o nosso elemento, mas, com 30º graus, quem não gosta de refrescar a pele? E abriu-nos o apetite para o fantástico bacalhau com grão e batata cozidos, acompanhados de salada de tomate e pepino e das indispensáveis azeitonas; precedidos, claro, pelo tal polvo-numa-espécie-de-vinagrete!
.
.
Nota do dia: com excepção dos casais mais idosos, é raro verem-se outros sem filhos; na verdade, as famílias francesas, belgas e holandesas (em particular estas) que vemos nos parques de campismo e pelos locais que visitamos, são constituídas por 2, 3 e 4 filhos, geralmente de idades muito próximas, provando que é possível sair com a canalha mesmo em situações aparentemente mais trabalhosas e menos confortáveis. Eles tomam conta uns dos outros!
.
Conta-quilómetros: 2037 (77 nesta etapa)
.
Ir para: Dia 0   Dia 6 
.

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Périplo 2011, Eslovénia - Dia 4: vida endinheirada

.
Não imaginávamos que a Provença e a Côte d'Azur pudessem ser tão... caras. Mas as vivendas que salpicam as colinas em redor de Vence, Cannes e Nice justificam-no: quem tem dinheiro para aqui viver (mais ainda, se tiver casa de férias), pode bem pagar os preços que se praticam por todo o lado, como aqueles limões que vimos em Cannes a 5.20 o kilograma (ai se a avó da Li os visse, com o limoeiro dela a vergar-se ao peso dos seus frutos!) ou as sandálias em saldo a 230.00... Para não falar nos alhos a 7.60, carvalho!
.
Mas não foi por aí que começámos o primeiro dia de estafa. Sim, porque há que aproveitar bem todos os minutos se queremos justificar tantos quilómetros percorridos. Afinal, para além da sorte de termos feito check in no parque de campismo no limite da hora e da sua capacidade, constatámos que está muito bem equipado e melhor situado, a menos de uma mão cheia de quilómetros de Saint-Paul de Vence, que nos recebe de manhãzinha.
.
 .
 .
.
Em Sait-Paul e arredores o metro quadrado de terrinha paga-se com 10 mil eurecos! Façam as contas ao preço de uma casa de banho (e só o espaço que ocupa)! É o resultado de ter sido e ser uma cidade de pintores e artistas, um burgo medieval muito bem preservado e de ter um clima agradabilíssimo durante todo o ano. Para o turista remediado, duas horas são suficientes para percorrer as suas vielas empedradas, apreciar as janelas floridas e respirar fundo o ar discretamente perfumado  pela vegetação mediterrânica. O suficiente para sentir uma pontinha de inveja, passageira, que o nosso mundo não é este.
.
E então descemos a Cannes, depois do almoço. Nunca pensei que o GPS me pudesse algum dia ser de tão grande ajuda, pois sempre me orientei bem por mapas e com o sol e as estrelas. Só este ano decidimos adquiri-lo, mais por vontade da Li (imaginem por quê)... Mas dou a mão à palmatória: em centros urbanos ou em zonas com muitas estradas e estradinhas, como foi o caso, o bicho pode ser bastante útil, mesmo que contrariemos (ou sintamos vontade de contrariar) a coitada da Catarina...
.
.
Que dizer de Cannes, para além de cara? Cheia de vida, colorida; iates e iates de fazer cair o queixo; a cor do mar de um azul esverdeado inconfundível ("podias ter dito que a água era desta cor; podia ter trazido o biquini!", disse a Li, quase a faiscar!).
.
.
.
.
Não, não vimos qualquer actor ou actriz a exibir a sua elegância ou tique de superioridade. Não precisávamos disso para ter a certeza de não desejarmos aqui voltar. Não nos interpretem mal: Cannes é agradável para um passeio de meio-dia, mas pouco mais do que isso; há centenas de outras paragens tão ou mais bonitas e muito mais simples e genuínas. Estivemos cá, gostámos, mas não o suficiente para voltar, pois a vida é curtinha e o mundo é muito muito grande.
.
Por isso, ao fim da tarde, regressámos a Èze. Tínhamos grandes expectativas para a visita a esta vila medieval alcandorada sobre o mar. Podemos dizer que nos pareceu mais um museu que uma entidade viva: tudo está muito bem preservado e embelezado, mas viverá alguém aqui realmente? A maior parte das casas pareciam pertencer aos complexos das unidades hoteleiras ali instaladas ou utilizadas pela restauração e lojas de artesanato e moda. É impossível ficar indiferente à beleza das suas ruas e dos seus candeeiros, mas ficámos desapontados com o facto de não termos pontos de observação abertos sobre o mar e a costa, a não ser do restaurante de um hotel ou do jardim botânico instalado no topo da vila, com entrada a 5 euros por pessoa. Como forma de protesto, trocámos a visita por duas 1664, de 20 cl, a 3.50 cada: poupámos 3 euritos e refrescámos a alma.
.
.
 .
 .
.
Ao descermos do Le Nid d'Aigle, fazendo contas ao centilitro da cerveja, registámos dois momentos agradáveis. O primeiro sintetiza tudo o que acabei de escrever sobre Èze: uma rua com 3 manequins vestidos de branco, a que não podiam faltar 3 pessoas reais também de branco, para que, tal como Èze, tudo parecesse perfeito. E o outro, para nos tirar um sorriso: uma montagem feliz de uma loja de artesanato.
.
.
Regressámos para a nossa caldeirada de peixe, que compráramos em Cannes com carteira de estrela de cinema. Devia ter sido do preço, pois ficou deliciosa... O final perfeito para um dia em cheio, apesar de tudo.
.
.
Nota do dia: comemos peixe com regularidade em Portugal, mas está tão baratinho e acessível - e é tão fresquinho! - que vamos comer ainda mais, antes que se acabe (perdoem-nos quem ache que está caro; é verdade que, para o que ganhamos, estará, mas é daquelas coisas que só valorizamos quando viajamos - é a nossa maior riqueza!).
.
Conta-quilómetros: 1960 (151 nesta etapa)
.
Ir para: Dia 0   Dia 5
.