sábado, 1 de novembro de 2008

Ecovia Ponte da Barca - Ponte de Lima

Andarilho
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Uma manhã de Outono fresca e solarenga convida a um passeio memorável. A margem esquerda do rio Lima, entre Ponte da Barca e Ponte de Lima, acolhe os nossos espíritos tristonhos e dá-lhes um novo ânimo, uma nova esperança.
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A beleza do percurso, para além do espaço natural único, reside na sua variedade: os planos de água sempre à distância de um olhar; a erva orvalhada por entre as árvores; os campos de milho desbastados; o gado apurando o sabor da sua carne; o desvio por entre vinhas e sob latas; a passarada enganada por um outono primaveril; o perfume das leiras floridas; os ciclistas animados; as espigas perdidas e o cogumelo guloso que se trouxeram; as conversas soltas que se uniram pela amizade...






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sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Parque Natural e Nacional de Doñana

Andarilho
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Uma visita ao Parque Natural e Nacional de Doñana, na província de Huelva, junto à foz do Guadalquivir, será seguramente uma das experiências mais gratificantes e inesquecíveis da vida de qualquer viandante.
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O acesso ao Parque Natural é relativamente aberto, sendo possível circular com liberdade pelas poucas estradas principais e muitos caminhos rurais que o entrecortam. A não perder uma passagem por El Rocío, um pueblo de ruas em areia, não calcetadas, conhecida pela Ermida da Virgen del Rocío, venerada em todo o mundo e responsável pela maior romaria de Espanha. Aqui, podemos observar o que resta da Marisma del Rocío nos meses de verão, um ecossistema sazonal que acolhe milhões de aves migratórias, em especial nos meses de inverno e primavera.
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O acesso ao Parque Nacional, por sua vez, é muito limitado e só se pode efectuar numa das visitas guiadas realizadas pela Cooperativa Andaluza Marismas del Rocío, a partir do Centro de Visitantes "El Acebuche", a poucos quilómetros de Matalascañas. É uma área de protecção integral e provavelmente o maior espaço natural da Europa, de uma beleza extraordinária. As visitas realizam-se em veículos 4x4 com capacidade para 20 pessoas e têm a duração de 4 horas, num percurso total de cerca de 70 quilómetros pelo sistema de dunas móveis, a marisma, a margem direita do Guadalquivir e 30 quilómetros de praias virgens. Pagámos 25 euros, o que poderá parecer muito, mas garantimo-vos ter sido o dinheiro mais bem gasto das nossas vidas.
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A aventura começa logo nos primeiros metros, após a passagem pelo posto de controlo (o Parque Nacional está todo cercado) à saída de Matalascañas, o último reduto do turismo de massas na costa de Huelva. A amplitude do sobe e desce das suspensões do veículo no acesso à linha de praia é tal que arranca de todos genuínos gritos de prazer e espanto, num prenúncio de 4 horas de pura adrenalina. Os primeiros 15 quilómetros são feitos junto à água, com passagem por meia dúzia de cabanas de pescadores artesanais - o único vestígio da presença humana. A quantidade de lixo deixado pelas ondas do mar espanta o grupo de holandeses, franceses, espanhóis e dois portugueses que enchem o veículo. O nosso guia, o simpático Gonzalo, foi contundente: se a praia fosse limpa todos os dias - uma hipótese quase académica, devido à extensão da face marítima do parque: 30 quilómetros -, todos os dias a encontraríamos cheia dos dejectos da humanidade. Os sacos plásticos foram letais para as 3 tartarugas que encontrámos em todo o percurso.
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Inflectimos para dentro do parque, afastando-nos do mar e percorrendo por vários quilómetros um sistema de dunas extraordinário, que avança para o interior, pela força da água e dos ventos, a um ritmo de 6 metros por ano. Entre as dunas gigantes desenvolvem-se pequenos bosques de pinheiros e mato, denominados "currais". Estes acabam por ser inexoravelmente engolidos pelo avanço das dunas e renascem na cauda de uma e a frente de avance de outra, num ciclo primordial.
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As dunas acabam na marisma: uma planície argilosa sem fim, seca e fracturada pelo calor intenso. Este, ao longe, no infinito, provoca uma miragem de água. Esta secura é provisória. Com a chegada da época das chuvas, transforma-se e enche-se de vida. Mas não se julgue que esta desaparece com o verão: na fronteira entre a marisma e o fim do complexo de dunas forma-se uma linha de vegetação que retém humidade suficiente para a sobrevivência de inúmeras espécies: vimos cervos e gamos, javalis, cavalos, gado autóctone, lebres, uma águia imperial... Só não vimos o lince ibérico - mas ainda bem! Deixemo-lo procriar e multiplicar-se nos recantos dos cotos...
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Parámos junto à margem direita do Guadalquivir, limite oriental e natural do parque, com Sanlúcar de Barrameda a um relance do olhar, na província de Cádiz. Em poucos minutos chegamos de novo à praia, junto à foz do quarto maior rio da Península Ibérica. Passámos por várias patrulhas da Guardia Civil e o Gonzalo especula: "o Zapatero deve estar aqui de férias; costuma vir para Huelva e passa as tardes na praia do Parque Nacional." Quem sabe, sabe: alguns quilómetros depois, outra patrulha ordena aos 4x4 (nesta tarde, saíram 5, sempre distanciados por várias centenas de metros) que se afastem da beira-água e inflitam para o ponto alto da praia; um pouco à frente, sentados em cadeiras de praia, de face para o mar e protegidos por um jipe e vários agentes, lá estavam o Primeiro espanhol e a companheira. Boa vida! O rolo da minha câmara, infelizmente, já se tinha acabado; mas não foi pelo político que o lamentei: a meio dos trinta quilómetros deste percurso final junto à água (que o Gonzalo fez questão de percorrer a 40 quilómetros/ hora, num ziguezague vertiginoso e memorável) deparámo-nos com o momento mais terno e extraordinário de todos: uma mãe javali tinha descido das dunas à linha de água em busca de "alimento fácil" (carcaças de vida marinha, explicou o Gonzalo); mas não vinha só: atrás de si, dois javalizinhos cambaleavam, aprendendo a vida e desfrutando de uma liberdade protegida.
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segunda-feira, 28 de julho de 2008

Camping Aldán, mais uma vez

Andarilho
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aqui escrevi sobre o Camping Aldán e a Península de Morrazo, na província de Pontevedra. Faço-o mais uma vez: não só como um acto de justiça para com o casal proprietário do parque, mas também para partilhar convosco mais um pouco do paraíso.
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Os amantes do campismo e da natureza dificilmente encontrarão um parque de campismo tão tranquilo, agradável e limpo e a tão poucos metros da praia como este. Especialmente na chamada época alta, em que acampar à beira-mar é um verdadeiro desafio ao sossego, à higiene das instalações sanitárias, à limitação de espaço...
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Durante o dia, os próprios donos zelam pelo bem estar dos viandantes: a senhora, inspeccionando a limpeza das zonas de campismo, organizando o trabalho burocrático... O senhor, coordenando os trabalhos do bar/ restaurante e da mercearia. À noite, presenteiam-nos com um qualquer espectáculo musical, com artistas da zona. Desta vez, um grupo de jovens acordeonistas pautou o ritmo de elaboração da tradiconal queimada galega, servida gratuitamente aos veraneantes. "Com aguardente; não com rum, como fazem na Catalunha", explicou-me o senhor, ao deitar mais aguardente na mistura, directamente de um bidão de dez litros - mas não sem antes apagar o fogo, obviamente. Os outros ingredientes: casca de limão, açúcar a olho, grãos de café e fogo, tudo mexido com uma colher de pau gigante, sem pausas e com muita sabedoria.
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Poucas vezes temos a oportunidade de dizer isto é que é vida! Estes fins-de-semana em Aldán não nos defraudam:






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sábado, 28 de junho de 2008

Arroz de feijão, mas com menos sal

Viandantes por Cá
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- “Olá, Rui! Chegaste uns minutos atrasado. Estiveram aí uns russos e uns israelitas… O Nuno tentou explicar-lhes como se faziam as pataniscas e o arroz de feijão, mas não sei se perceberam.”
- “Devem ter percebido. Falaram em Inglês?”
- “Sim,” confirmou a Catarina, formadora de TIC.
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No domingo passado, os nossos alunos quarentões de um curso de formação de adultos (daqueles que têm mesmo 900 horas de formação, não dos outros, de que todos já ouviram falar…) realizaram uma actividade integradora no âmbito das tradições gastronómicas do concelho de Ponte da Barca. Aproveitando os festejos do S. João no parque de merendas sobranceiro ao rio Lima, montaram uma barraquinha de comes e bebes e presentearam os barquenses e visitantes de passagem com um fabuloso arroz de feijão com pataniscas e iscas de bacalhau, caldo de farinha e vinho verde carrascão. O facto de duas das formandas serem cozinheiras de profissão era garantia de bons apetites. A testemunhá-lo, o já referido grupo de russos e os meus amigos israelitas, Tehila e Baruch Levi.

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As pataniscas estavam tão boas que vieram repetir o repasto. “Ó Rui, Rui, aquele é o casal israelita!,” acenava o meu colega Nuno, formador de Matemática para a Vida. Não foi preciso dizer mais nada: em dois minutos, a minha curiosidade pelas coisas do mundo fez-me saber que a Tehila – vejam a coincidência – também era professora de Inglês e o Baruch militar no ramo das comunicações, ambos reformados. E por quê Ponte da Barca? Pois vieram ver o rancho folclórico da vila, que actuava ali naquela noite. Uma razão tão boa como qualquer outra, diga-se, mas que à maioria dos portugueses não faria mover uma palha, quanto mais tantos quilómetros. Mais extraordinário ainda é o facto de o casal Levi nunca ter ouvido falar nem visto este rancho antes de rumar à Península Ibérica para um período de férias ansiado. Estavam em Lisboa, vindos de Madrid, onde alugaram carro, e aí assistiram a um festival folclórico com vários grupos do país. Gostaram tanto deste que, sabendo que tornaria a actuar aqui neste domingo, fizeram-se à estrada. Não imaginavam a sorte que teriam – a de conhecer uma das regiões mais bonitas deste nosso Portugal. E claro, de provar pataniscas tão sublimes!

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Na verdade, a Tehila e o Baruch já planeavam dirigir-se para norte – mas não tanto. Há 25 anos já haviam estado em Portugal e desejavam voltar a alguns dos locais que então visitaram. Coimbra era um deles. Pernoitaram no mesmo hotel de há 25 anos, junto ao Mondego. E segundo eles, foi como se visitassem outro país: “Nessa altura, as pessoas vinham para a cidade de bicicleta ou de burro e traziam cinco, seis filhos à sua volta. A maior parte descalços ou de sandálias, e todos vestidos de escuro. Muito pobres.” Referiram a margem do Mondego, completamente recuperada, as estradas boas, os prédios novos… “Mas as pessoas são as mesmas, muito simpáticas; só que muito mais conversadoras.” Ficaram espantados quando lhes disse, a propósito do curso de formação de adultos e da actividade que estavam a levar a cabo, que quase 40% da população portuguesa apenas tinha 4 anos de escolaridade. “Em Israel quase todos têm o ensino secundário!” (confirmei há pouco estes dados; e se não correspondem literalmente à verdade, não estão longe disso: a escolaridade média dos israelitas é de 11,8 anos!).
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- “Vocês têm uma vida muito relaxada”, dizia-me o Baruch, olhando em volta para os comensais satisfeitos; a música popular a marcar o ritmo das suas conversas triviais.
- “Sim, é verdade. Faz parte do espírito português.”
- “Em Israel, vivemos pelo dinheiro. Todos têm dois empregos. Levanto-me todos os dias às 7 da manhã e leio o jornal todo. E durante o dia ouço as notícias hora a hora.”
- “O Baruch agora é agente de seguros”, acrescentou a Tehila.
- “Os árabes obrigam-nos a viver o dia-a-dia como se fosse o último das nossas vidas,” continuou o Baruch, como que sentindo o dever de afirmar ao mundo o porquê de ser israelita – sentimento patriótico genuíno, do fundo da sua alma; talvez um nada amplificado pela sua formação militar.
- “Demos territórios aos palestinianos, mas não lhes chegam. Querem tudo. Não querem que existamos. Não compreendo.”
Independentemente das razões históricas de cada um dos povos, consigo compreender a tensão e paixão que Baruch deixa transparecer nas suas palavras. Tehila mostra-se mais reservada, mais curiosa com as coisas do mundo: “É encantador! Ver pessoas de idades diferentes a actuar em palco. Não é normal. Nunca tínhamos visto algo semelhante nas nossas viagens, a não ser na Roménia e Bulgária.” Levanta-se da nossa mesa para se aproximar do palco e repetir as fotografias que já tinha tirado em Lisboa, com os olhos humedecidos de alegria. Eu e o Baruch continuamos a conversa com o nosso segundo fino.
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Despedimo-nos com a promessa de trocar correspondência, que se cumprirá. A Tehila fará certamente o arroz de feijão (com menos sal, sublinham), a partir da receita traduzida pelos meus formandos. Todos ficámos mais ricos com o conhecimento mútuo. A Tehila e o Baruch com a esperança de dias de menor tensão; nós com a certeza de vivermos num cantinho privilegiado do mundo, não obstante a pobreza de muitos, escondida por estradas modernas, prédios bonitos, carros topo de gama… Valham-nos as pataniscas, tão bem acompanhadas!

quinta-feira, 24 de abril de 2008

Do Coração Vagabundo

As Viagens dos Outros
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Hoje, toda a gente escreve sobre viagens. E pelas razões mais distintas... Mas cada vez são menos os textos que realmente nos dizem algo de novo.
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Num fantástico dia de primavera como o de hoje, sentado na belíssima esplanada do DNA, em Arcos de Valdevez, e tentando evadir-me em algumas leituras atrasadas, deparo-me com estas palavras do Luís Maio, que se bastam:
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"(...) (IV) Quanto mais planos fazemos tanto mais me convenço que nunca irei para a neve com o Tiago, nem para o campo com a Sandra, muito menos regressarei a África com o Artur. (...) De resto, uma viagem é irrepetível e voltar aos sítios não é remédio para trazer experiências de volta. De maneira que não, não irei de viagem com nenhum daqueles três. Em contrapartida vou continuar a partilhar os seus melhores planos de evasão, pelo menos enquanto eles não perceberem que não pretendo ir além disso. Porque há gente com quem se viaja e há gente com quem se sonha viajar e não é obrigatório que as duas classes se misturem. Como também não é seguro que uns estejam mais perto que os outros do verdadeiro coração vagabundo."
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in "Deixa-me ir Contigo", Fugas (Público), sábado, 19 de Abril de 2008, p. 50
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domingo, 9 de março de 2008

Vertigens no restaurante A Cabana, Apúlia

Aqui Bem Se Come
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A Cabana (o sítio digital merece uma espreitadela), na Apúlia, recebeu-me pela segunda vez. Da primeira visita, há dois meses atrás, saí com vontade de escrever imediatamente uma pequena crónica no Aqui Bem Se Come, mas a falta de tempo foi madrasta. Faço-lhe agora a devida justiça.
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Voltei pelo robalo do mar (a 25 euros o quilo), grelhado aberto sobre a brasa. Acabei por experimentar o polvo, igualmente excelente, acompanhado por deliciosas batatas cozidas, esparragado de grelos e cenouras do fértil litoral minhoto. Os meus comensais optaram pela costela de vitela, também grelhada. Um Charamba de 2003, a uns incríveis 6 euros, deixou-nos uma deliciosa vertigem, acentuada pelo corropio incansável do pessoal da casa.
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A contenda iniciou-se com uma inefável chouriça de carne assada na brasa e um pratinho de camarões cozidos (fiquei-me pela primeira e pelas inevitáveis azeitonas) e terminou com uns folhadinhos recheados de creme de ovo. Tudo, tudo muito bem. O advérbio descreve melhor a experiência de comer n'A Cabana do que o seu primo adjectivo, pois o espaço vive de movimento, de acções eficientes, de vozes cheias de vida, do trato rústico mas polido. Quem trabalha n'A Cabana gosta do que faz: o serviço é tão inebriante que é capaz de nos distrair das delicias servidas em loiça de gosto popular impecável.
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Se pensa em aconchegar aqui o seu estômago, prepare-se para resistir à pressão psicológica de uma multidão que aguarda (que sadismo!) junto ao incansável cozinheiro-grelhador e que parece querer invadir o espaço repleto de bocas e olhos satisfeitos. Exagero? Pois hoje ouviu-se esta extraordinária frase, da dona do estabelecimento para um dos funcionários (não sei se um dos 3 filhos que ali trabalham): "duas sopas lá para fora!" Atrevam-se a chegar tarde!
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À mesa: São, Toni, Liliana e o Viandante
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Serviço: Muito Bom
Ambiente e Decoração: Muito Bom
Higiene: Bom
Preço: Bom
Avaliação Geral: 8/10

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quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Desviagens

Andarilho

Agosto de 2002. Convido seis bons amigos para uma voltinha a Espanha em automóvel, sem trajecto definido mas com três destinos de passagem desejados: Córdoba, Granada e Barcelona. Nos dias anteriores à partida, quatro deles vão chegando de duas ilhas dos Açores para se alojarem nas casas dos continentais. Momentos preparatórios de boa mesa, memórias para brindar e a antecipação de uma grande aventura.

Ponto de partida: Mogadouro, após um jantar simpático em casa da Esperança. Chegámos a Toledo pelas sete da manhã. Como o parque de campismo não aceitava acolhimentos antes do meio-dia, aproveitámos para dormir um soninho recontorcido no pouco espaço útil de ambos os automóveis. Não passou de tentativa. Pouco depois já alimentávamos a manhã com cafeína e percorríamos a belíssima Toledo com o afã dos viandantes à partida. Por entre o peso das olheiras, registei para sempre a beleza dos vitrais da catedral.

Dos três dias seguintes, em Córdoba e Granada, surgirão a seu tempo outras crónicas. O Bairro Judeu e a Mesquita-Catedral, em Córdoba, e o Albaicín e o Alhambra, em Granada, são pontos de passagem obrigatórios para qualquer viandante.

Direcção seguinte: Barcelona. Optámos por um trajecto pelo interior do país, para evitar o tráfego balnear da costa mediterrânica. Pela hora do almoço, parámos num hotel de 4 estrelas, junto à autoestrada A4, perto de Valdepeñas. Após comer qualquer coisa, prestávamo-nos a retomar a viagem quando deparámos com o vidro traseiro do lado direito do automóvel partido, assim como uma porta forçada na outra viatura. O descuido e o sentimento de segurança que o local inspirava levou-me a deixar uma Nikon no banco traseiro, por entre toda a parafernália de viagem que não cabia na bagageira. O que lamentei mais foram os 4 ou 5 rolos de fotografias já tiradas que com ela deram asas, enquanto mastigava deliciado um pedaço de tortilla. E um sentimento de perseguição, pois 4 meses antes havia partido - também por descuido - uma máquina fotográfica semelhante.

Segundo nos informou a polícia local, tivéramos azar, pois, sendo feriado no dia seguinte, muitos presidiários tinham obtido licença para estar com as famílias, o que todos os anos coincidia com um aumento pontual de incidentes no género. Mesmo sabendo que a possibilidade de recuperar o material fotográfico era mínima, os agentes de polícia que nos atenderam mostraram uma diligência fantástica, procurando durante mais de uma hora uma qualquer impressão digital suspeita no automóvel. Enquanto isto, discutíamos a hipótese de interromper as férias e regressar a casa de imediato. Era quinta-feira, véspera de feriado, pelo que não seria possível prosseguir viagem sem um dos vidros do automóvel durante os 3 ou 4 dias seguintes. Adiámos a decisão até encontrarmos um concessionário Toyota. Havia um na zona industrial de Valdepeñas.

Infelizmente, não dispunham de qualquer vidro em stock. Só na segunda-feira seguinte poderiam fazer a sua substituição, se chegasse a tempo vindo do armazém de Madrid. Provavelmente sensibilizado com o nosso ar destroçado, o funcionário que nos recebeu prestou-se a fazer uma chamada ao chefe... Finalmente, a boa notícia: iriam retirar um vidro de uma das viaturas em exposição. Enquanto isso, que estivéssemos à vontade para navegar na internet e tomar um café no espaço da recepção... Uma hora e meia depois e após um esforço tremendo por parte de três mecânicos (o suporte do vidro não era exactamente igual, pois a versão do automóvel já não era a mesma) tínhamos o automóvel à disposição - por uns impensáveis 40 euros! E ainda nos ofereceram uma garrafa de vinho tinto local!

O profissionalismo e boa vontade que nos tocou observar foram um bom presságio para uns dias magníficos, para um resto de viagem sem mais desvios. E muitas histórias para contar.

terça-feira, 1 de janeiro de 2008

Boa mesa

Vianda
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Não é coincidência os últimos textos deste blogue versarem a boa mesa portuguesa. A quadra assim o exige.
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A meio da tarde de ontem, e após saborear 8 bolinhos de bacalhau morninhos e estaladiços e uma rabanada fresquinha, a minha esposa convocou-me à farmácia para um check-up ao meu colesterol malandro. Antecipava um resultado absolutamente assustador. Todavia, os 240 mg/ dl ficaram apenas na média preocupante dos últimos tempos...
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Na tarde de hoje, de regresso do almoço de ano novo, composto pela habitual farrapada velha e um apetitoso cabrito estufado (mais as doçarias sobrantes da noite velha: 3 rabanadas da minha mãe de sobremesa!), decidimos, por unanimidade, que o jantar de hoje seria uma canjinha de galinha caseira e, caso nos apetecesse, um pouco de pão com presunto ou queijo...
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Como a galinha caseira demora a cozer e a fominha já apertava, antecipámos os outros acepipes: um majestoso queijo de ovelha seco de Celorico da Beira (sem rótulo, e por isso - e ainda bem -, certamente desconhecido da ASAE), presunto da Casa Marinel, de Lalim, Lamego, e as melhores azeitonas que a minha boca já teve o prazer de degustar: curtidas com ervas aromáticas pela APPACDM de Elvas. A acompanhar, o pão que se pôde arranjar num dia de folgança. E claro, um madurinho do Dão: Quinta de Cabriz.
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Pode ser que a canjinha tenha compensado a gulodice... Na verdade, daria 10 anos da minha vida (dos 100 aos 110, pode ser?) ao colesterol por inúmeros jantares como o de hoje.
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Feliz 2008!
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