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Olhar para um mapa da Escócia é um exercício ilusório. Noventa e cinco por cento das localidades assinaladas em qualquer mapa de dimensão razoável não são mais do que pequenas aldeias, muitas vezes de uma só rua. Para quem viaja de forma independente e conta com os ovos no dito da galinha, arrisca-se a ter que lidar com o imprevisto.
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Viajo com quatro amigas, de mochila às costas; sem nada marcado, com excepção das duas primeiras noites num Bed & Breakfast de Edimburgo. Daqui para a frente contamos connosco e a ajuda incansável dos funcionários dos postos de turismo. Partiramos com um esboço de trajecto e um orçamento suficiente para uma dezena de dias frugais.
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Ao terceiro dia, partimos de Edimburgo em direcção a Dalmally, uma localidade discreta entre Glasgow e Oban (uma das cidades de acesso às Highlands): alojamento marcado no dia anterior, prevendo o tempo necessário para visitar Glasgow e de acordo com os horários dos autocarros e comboios. Visitada Glasgow, partimos em direcção a Dalmally: de autocarro até Tyndrum e de comboio daqui ao local de repouso. O trajecto até Tyndrum percorre uma paisagem lindíssima, dominada pelo Loch Lomond (primeira foto), o maior lago escocês. A aldeia de Tyndrum (segunda foto) surpreende-nos. Quatro da tarde. É aqui que devemos apanhar o comboio? Onde está a estação? Ao fundo do vale? Mas hoje já não passa mais nenhum comboio? Como não passa? Mas temos alojamento marcado em Dalmally - e temos que chegar até às cinco, caso contrário a reserva fica anulada! Também não há autocarros?!
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A simpática senhora que recebe esta catadupa de perguntas esboça um sorriso compreensivo. Sugere-nos que telefonemos para o host da Craig Villa, a Guest House onde estava previsto pernoitarmos - e que o podíamos fazer do pequeno posto de informações de Tyndrum, ao fundo da rua. Não temos escolha. Aqui, informam-nos que a única alternativa é procurar o Mr Cunningham, um senhor que presta serviços de transporte escolar. A sua casa fica na outra ponta da rua, de onde tínhamos acabado de vir. As mochilas já pesam, depois de um dia de andanças. Batemos à porta; atende-nos a esposa. O Sr. Cunningham não está; e não costuma fazer transporte de pessoas nesta altura do ano... Insisti, explicando detalhadamente a nossa desventura, ao que a senhora prestou-se a telefonar ao marido. Enquanto esperamos, rimo-nos da situação e antecipamos a noite dormida num qualquer coberto de Tyndrum. Boas notícias: o senhor Cunningham estará ali em meia hora. Regresso ao posto de informações para telefonar finalmente para a Guest House, avisando do nosso atraso.
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O senhor Adam Cunningham tem uma pronúncia incompreensível, rasgada, carcomida: "itch tun y fro?", foi uma das questões que teve de repetir uma mão cheia de vezes, antes que compreendêssemos que nos perguntava de que cidade éramos!!! Sento-me ao lado dele e tenho as despesas da conversa: obrigações de cavalheiro e curiosidade de viandante. O senhor Cunningham é de uma simpatia rude, de homem das montanhas. Tivemos muita sorte, pois calhou estar por perto. Só costuma transportar as crianças de Tyndrum e arredores para a escola, especialmente nos meses de inverno, em que as estradas são muito difíceis e não há serviços de autocarro nos percursos secundários. Mas também tivemos azar, pois visitávamos a Escócia "no verão mais molhado dos últimos cem anos", disse-nos, supostamente veiculando uma qualquer notícia ouvida num noticiário local. Não se calou um minuto durante os cerca de 15 quilómetros do trajecto, falando-nos da história local e aconselhando-nos a visitar alguns monumentos nas cercanias (entre outros que já se esconderam nos meandros da memória, o Kilchurn Castle, perto de Dalmally).
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A despesa deste serviço de transporte personalizado ultrapassou em muito pouco o que pagaríamos pelos cinco bilhetes de comboio, pelo que convenci as minhas amigas a "contratá-lo" para a viagem do dia seguinte até Oban, ao que o senhor Cunninham acedeu amigavelmente. E assim, após uma noite bem dormida na enormíssima Dalmally (terceira foto), prestámo-nos a mais uma lição de história e simpatia até Oban (quarta e última fotos; nesta, a carrinha do Mr Adam Cunningham sob a persistente chuva escocesa).
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2 comentários:
Amigo, obrigada por reavivares memórias. Ao ler o teu texto da nossa viagem, recordo com saudades as risadas, registadas em foto, da viagem com o sr.Cunningham.
Até sempre e GRANDES VIAGENS
Carla Pinto
Obrigado pelo teu comentário, Carla.
Risadas... é disso que precisamos, cada vez mais. E de viagens :-)
Beijinhos (para a tua irmã também, claro)
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