Palavra Esparsa.I
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É um dado indiscutível: serão poucos os jovens portugueses que não gostam de ir à escola; e os poucos que não gostam, é porque manifestam problemas de socialização ou por motivos de ordem familiar (pais que desvalorizam a educação formal, por exemplo).
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O mesmo não é dizer que os jovens gostam da escola - a escola entendida como um local de ensino e aprendizagem, de formação pessoal, de trabalho, de partilha de saberes e competências. Tudo isto é secundário para os nossos jovens; gostam de ir à escola porque é lá que socializam, que encontram as namoradas e os namorados, que partilham música e jogos de computador... - em suma, que vivem a sua adolescência.
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A escola de hoje é um recreio, uma sala de estar, uma passerelle. E só de vez em quando um local de estudo. E isto sucede não por culpa dos professores, dos auxiliares de acção educativa ou dos Conselhos Executivos, embora aqui e ali tenham a sua cota-parte de responsabilidade.
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Isto sucede porque se entendeu (ao nível dos decisores políticos e de algumas correntes pedagógicas) que aprender tem de andar de mãos dadas com o prazer, com o lúdico; porque se desvalorizaram conceitos como a memorização, o esforço, a paciência, a perseverança, a ambição; porque se privilegiou o desenvolvimento de competências em detrimento da aquisição de conteúdos; porque em casa não se ensina aos jovens que o telemóvel que se lhes ofereceu só existe devido ao saber acumulado e transmitido pela escola; porque os jovens têm tudo sem que se lhes exija responsabilidade; porque a legislação favorece o laxismo e dificulta a exigência...
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É verdade que há excepções; que há jovens estudantes brilhantes e esforçados; e que a escola também pode e deve ser um espaço de socialização. Mas o retrato que faço é real, mesmo que com algum exagero. É uma percepção geral de todos os que conhecem o meio escolar.
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II
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É um erro terrível a ideia de que os professores não são competentes. Nunca em Portugal houve um corpo docente com a qualidade de formação actual. Existem excepções? Claro que existem, como em todas as áreas profissionais. Existem lacunas na sua formação? Sim, existem, e a língua portuguesa é uma delas; de muitos, em particular os mais novos. Mas daí a afirmar que são pouco competentes vai uma grande distância. Aliás, quem já teve a oportunidade de trabalhar e de conviver com professores de outras nacionalidades, como eu felizmente já tive, poderá afirmar com segurança que estamos tão bem ou melhor preparados para o ensino do que muitos dos nossos parceiros europeus.
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É um erro terrível desvalorizar o papel dos professores e as suas condições de carreira. Ao contrário do que acontece com os nossos jovens, que gostam mais de ir à escola do que da escola em si, já se começa a notar uma predisposição inversa no corpo docente: gostam da escola, da arte de ensinar, mas gostam cada vez menos de ir para a escola. Também este é um facto real, que observo sobretudo naqueles que, à minha volta, considero mais competentes (por muito subjectiva que esta percepção de "competência" possa ser). E por quê? Por múltiplas razões: desvalorização do seu papel por parte de quem os emprega e por parte da sociedade; esforço inglório (não há coisa mais angustiante do que vermos os nossos rapazes e raparigas a não quererem aprender); indisciplina; desgaste psicológico... Uma atmosfera assim é inconcebível.
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Alguns destes problemas são comuns a outras profissões, dir-me-ão. Sem dúvida. Mas há um senão: a produtividade docente não é mensurável do mesmo modo. E depende de um factor que, hoje em dia, pouco podem determinar: o querer aprender; o valorizar o saber. E de outros que igualmente fogem ao seu controlo.
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A prática docente está isenta de críticas? Não, não está. Há muitas resistências que só se podem combater tornando obrigatório, limitando. Mas também há muitas condicionantes da prática docente que não são tidas em conta (a instabilidade das colocações, as deslocações...) como determinantes para o bom exercício profissional.
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A não haver uma inflexão nas políticas educativas actuais (que se regulam exclusivamente por critérios financeiros, ao contrário do que se quer fazer crer) num espaço de uma dezena de anos (a coincidir com a aposentação de muitos professores que iniciaram as suas carreiras após o 25 de Abril), passaremos de um excesso de professores profissionalizados para uma situação idêntica àquela em que se encontra o Reino Unido: escassez de candidatos a esta profissão maravilhosa.
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III
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E por que não querem os jovens aprender? Por que não valorizam eles o saber? Esta última pergunta responde à primeira, mas também é parte do problema.
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E o problema prende-se com o facto de que os modos de aprender não se coadunam com os seus modos de viver. Isto é: aprender exige esforço, paciência, método; e os nossos jovens vivem por parâmetros do mundo digital: do imediato, do determinado, do dado adquirido.
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Não sendo a escola valorizada pela sociedade e por muitos dos seus pais - um problema não especificamente português, mas de grande relevância para nós -, a pouca vontade que pudessem ter esbarra na dificuldade de adaptar os seus modos de viver aos de aprender (que o sistema educativo, na verdade, também não privilegia). E para quê o esforço, se têm tudo?
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Parece um contrasenso: a sociedade não valoriza a escola? Aos olhos dos nossos jovens, muito pouco. Será necessário definir o que é a sociedade para percebermos o argumento: o Estado? Os meios de comunicação? A família? - Tudo isto em conjunto e muito mais, supõe-se. Mas que parte desta sociedade é que realmente comunica com os nossos jovens? Esta é a verdadeira questão: quem fala aos nossos jovens é a sociedade de consumo e o audiovisual lúdico, que muitas vezes transmitem uma imagem negativa da escola ou valorizam produtos e conceitos que lhe são contrários.
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IV
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É preciso criar uma nova escola, ouve-se dizer. Não creio. É preciso, isso sim, definir claramente para que queremos a escola que temos; e perceber de que modo a sociedade em que vivemos a pode determinar positivamente.
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